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sábado, 12 de setembro de 2009

SÍNDROME DO VIETNÃ

Politicólogos norte-americanos cunharam o termo "Síndrome do Vietnã" para descrever a falta de disposição dos cidadãos de envolverem-se em conflitos bélicos além de suas fronteiras, que durante longo tempo caracterizou a opinião pública estadunidense. Na essência, isto era conseqüência de um trauma derivado do conflito no Sudeste Asiático e se identificava com fortes dúvidas em relação aos custos, legitimidade, pertinência e eficácia, relativos ao uso de forças militares americanas no exterior. Como resposta a esta síndrome, fez sua aparição, no final dos anos oitenta do século passado, a chamada Doutrina Colin Powell, emanada do então Chefe do Estado-Maior Conjunto e hoje Secretário de Estado do governo de George Busch. De acordo com a mesma, os Estados Unidos somente poderiam intervir militarmente fora de suas fronteiras quando pudessem enquadrar-se em uma das seguintes condições: empregando força militar portentosa e susceptível de garantir a vitória e o efetivo controle sobre as forças inimigas, de forma avassaladora; a existência de claros e bem definidos objetivos políticos; legitimidade no uso da força e uma estratégia precisa de saída, ao término dos embates, evitando traumas e transtornos. Em outras palavras, desta forma procurava-se contemplar tudo aquilo que havia falhado no planejamento e na consecução da malfadada Guerra do Vietnã.

Calcados nessas premissas, foi possível articular a pronta-resposta ao ditador iraquiano Saddam Hussein, por ocasião da anexação do Kuwait pelo Iraque, elemento detonador da Guerra do Golfo, em janeiro de 1991. A conformação de uma ampla aliança mundial, sob a égide do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, constituiu a pedra angular da projeção, no plano político internacional, da Doutrina Colin Powell. O envolvimento do Conselho de Segurança era a única forma de garantir e respaldar a presença maciça de tropas da coalizão, oriundas de diversos países, e conferir-lhes legitimidade internacional.

O presidente Bill Clinton introduziu importantes e significativas mudanças em matéria de doutrina militar ao enfatizar o conceito de "resposta flexível", em contraposição ao envolvimento maciço. Entretanto, isso se enquadrava dentro da idéia de que toda ação militar no estrangeiro deveria ser necessariamente limitada e sempre dentro do contexto da legitimidade brindada pelos mecanismos de segurança coletiva.

A Doutrina Donald Runmsfeld retomou de Clinton a noção de resposta flexível, porém descontextualizando-a de todo sentido de limites ou de mecanismos de segurança coletiva. Na essência, essa doutrina, também conhecida como "shock and awe", assenta-se na idéia de que uma força militar numericamente limitada pode vencer rapidamente uma contenda, se contar com máxima intensidade e precisão de impacto dentro de uma ação esmagadora calcada, primacialmente, na superioridade tecnológica. Ocorre que a doutrina propugnada por Runmsfeld, igualmente à esposada por Colin Powell, acabou projetando-se sobre o plano político internacional. Esta nova concepção, em termos de segurança na sua capacidade de manobra bélica, permitiu à Administração George Bush formular a conhecida tese da ação preventiva, fornecendo-lhe a justificativa necessária para desvencilhar-se do Conselho de Segurança e da Aliança Atlântica.

Se bem que a Doutrina Runmsfeld resultou momentaneamente coroada de êxito, por ocasião da invasão do Iraque, em março de 2003, na atualidade tem se mostrado um verdadeiro fracasso em todos os demais pré-requisitos estabelecidos na Doutrina Powell: presença maciça de tropas susceptível de garantir um efetivo e eficaz controle militar, objetivos políticos diáfanos, legitimidade para deslanchar ações bélicas e o estabelecimento de uma estratégia de saída, sem rupturas e fracassos.

Lamentavelmente, o que está acontecendo no Iraque faz lembrar o que ocorreu no Sudeste Asiático. Não é sem motivo que a "Síndrome do Vietnã" está tomando corpo, de modo avassalador, na psique coletiva estadunidense, transformando-se, conseqüentemente, na maior trunfo de John Kerry, candidato do Partido Democrata à presidência dos Estados Unidos.

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